quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Os mínimos

O 773 chegou com 20 minutos de atraso - não é invulgar. Entrei e cumprimentei o motorista, como de costume. A diferença, hoje, deu-se quando um dos passageiros perguntou se havia alterações no trajecto devido à manifestação (confesso que nem sabia que estava prevista mais uma manifestação). O motorista disse-lhe que sim e, quando o senhor pediu para o deixar no próximo cruzamento, ele respondeu-lhe que não podia: só na próxima paragem. O passageiro indignou-se porque não tinha sido de forma alguma avisado da alteração de percurso antes do autocarro estar em andamento, e porque a volta que teria que dar lhe causaria transtorno. E a verdade é que teve razão. Não fomos informados de nenhuma alteração de percurso e não temos obrigação de saber datas e horas e locais de manifestações, muito menos de adivinhar que o trajecto normal de determinado transporte público é afectado. Esta é apenas mais uma história que evidencia a nossa cultura de trabalho: fazemos os mínimos. Há-de haver muitas outras, talvez melhores e muitas vezes com consequências mais sérias. O motorista não fez nada errado, a verdade é essa... limitou-se a fazer o seu trabalho, aquilo para que lhe pagam: cumpriu as regras e fez os mínimos.
E é aqui que quero chegar. A minha intenção não é julgar o pouco agradecimento dos sortudos que têm um emprego, muito menos questionar se Deus dá, ou não, nozes a quem não tem dentes. Até porque acredito muito mais em mérito que em sorte ou mesmo em dádivas divinas. Não quero sequer pegar nas consequências de produtividade e crescimento ou de carreira pessoal que estas escolhas acarretam. O meu ponto é constatar que, efectivamente, a grande maioria de nós se limita a fazer os mínimos: porque é para isso que nos pagam, e não para mais, ou porque na realidade não gostamos do que fazemos ou nos consideramos demasiado bons, ou maus, para as tarefas que são esperadas de nós. A verdade é que podemos sempre mudar, ou tentar mudar, aquilo que não gostamos na nossa vida, seja em que área for, porque não somos obrigados a (quase) nada. E aquilo que escolhemos ou temos que fazer, seja por que motivo for, traz-nos sempre mais prazer se for feito com vontade e com empenho. E, portanto, não encontro justificação para não ir além das regras e dos mínimos. Simplesmente porque, seja de que perspectiva for, não tem lógica: nem nos sentimos melhor ou mais realizados, nem fazemos bem a ninguém, nem existe empregador que nos promova ou beneficie por falta de motivação e de brio.
O motorista podia ter-nos dito, em duas ou três palavras, que o percurso normal seria alterado. Nós teríamos agradecido a atenção e o ambiente durante a meia hora que durou a viagem seria de simpatia em vez de indignação. A curto prazo, ele não ganhava nada senão apreciação... mas a verdade é que não há quem não goste de ser apreciado. No fim do dia, chegávamos todos mas felizes a casa. E é isso que importa.